A perda da inocência é a principio o tema principal de “A Origem dos Guardiões” nova animação da Dreamworks. Porém em um mundo repleto de descrença, sobreviver como um ícone da infância se mostra uma tarefa árdua. Contudo o filme possui um contexto paralelo no qual usa de embasamento um capitalismo hostil para que a crença e permanência da inocência continuem vivas.
Dirigido por Peter Ramsey e com vozes de Chris Pine, Alec Baldwin, Jude Law, Isla Fisher, Hugh Jackman, Dakota Goyo, Khamani Griffin e Kamil McFadden.
A trama é centralizada sob a origem do personagem Jack Frost, personagem não muito conhecido no Brasil, que é o responsável pela neve. Sozinho e sem memória de uma vida passada, vaga como um espírito fazendo travessuras com seu cajado utilizando a neve para executar suas brincadeiras, principalmente com crianças. Nisso, no Polo Norte, Papai Noel, ou apenas conhecido como North dentro do filme, identifica um desiquilíbrio na crença das crianças, trazendo à tona um mal adormecido há algum tempo, o chamado Breu ou Bicho Papão. Com a ameaça criada, North vai atrás de ajuda convocando todos os Guardiões das crianças para que juntos possam vencer tal ameaça. Coelho da Páscoa, Fada dos Dentes e Sandman entram em cena. Entretanto o mal é tão maior que o líder deles, a lua, vê que mais um Guardião deve ser escolhido para ajudar na missão, e nisso ela escolhe Jack Frost que terá sua chance de ser provar como um herói e enfim conseguir o reconhecimento que tanto buscou.
A premissa é inocente e certamente é considerado um conto que teria em foque um público infantil, porém o filme consegue se impor muitas vezes sombrio e adulto. Apesar de um uso de cores fortes explodindo dentro de um 3D que a todo o momento está jogando objetos em sua direção, em momentos certos e de forma inteligente, as cores são tomadas por uma sombra que faz com que a falta de saturação nas cores traga uma atmosfera de perigo dentro da história.
Os personagens retratados, apesar de clássicos e de conhecimento geral, trazem uma adaptação moderna, tanto na forma quanto nas atitudes. Noel é um senhor forte, alto repleto de tatuagens nos braços, além de ser o chefe de um departamento de brinquedos autoritário, que enquanto coloca seus funcionários para trabalhar aproveita seu tempo livre comendo e se entretendo da forma que acha melhor. O Coelho é um verdadeiro guerreiro, seu design angular demostra seriedade e perigo, é também um chefe de departamento que trabalha o ano inteiro na produção de ovos em busca que haja crença de sua existência. A Fada é uma executiva que também coordena uma equipe de seres subordinado que fazem todo trabalho braçal deixando sob seu comando apenas a organização e processos de trabalho, já que é uma tarefa executada diariamente. Sandman é o personagem que mais foge dentre os que lhe acompanham na tela. É sozinho, com traços arredondados e mudo. Comunica-se apenas com ícones exibidos sobre sua cabeça (algo que o filme explora bastante, a projeção de elementos iconográficos para gerar uma comunicação entre os indivíduos). Apesar de Sandman possuir uma atmosfera isenta de perigo seu personagem se torna violento e agressivo com o decorrer do filme. Já Jack é visivelmente inspirado em heróis de animes, com cabelos claros e pontudos, olhos grandes e nariz fino, pode facilmente ser confundido com um personagem de Final Fantasy.
Percebe-se que o filme apenas utiliza de personagens conhecidos para atrair a atenção, porém trabalha a formação de um grupo de heróis que é uma fórmula muito antiga, principalmente em séries de heróis japoneses, onde cada um possui sua cor predominante, usa uma arma diferente, possui um poder distinto e juntos estão prontos para combater o mal. Alguém aí falou de Power Rangers? Oi? Até o uso de um líder no qual ordena a missão é usado, como é o caso da lua dentro do contexto do filme.
O vilão, apesar de sombrio acaba se tornando um mau que faz o mau pelo bel prazer. Sem um objetivo lógico definido e sem muita profundidade em sua história. Está disposto apenas a acabar com a inocência e enfraquecer os Power Ran…. Guardiões. Um dos artifícios que mais chama atenção dentro da construção do personagem é o uso de sua voz espalhada em caixas de áudio traseiras do cinema, dando a sensação que sua ameaça é ainda maior para quem está assistindo.
Apesar de todos os clichês e inspirações A Origem dos Guardiões é um bom filme, arrisco dizer que é a melhor animação do ano. O que o deixa mais fraco é trabalhar o paradoxo entre inocência e crença junto com capitalismo e consumismo. Mostra que as crianças para manterem fé precisam ser “compradas”, tanto com a fada dos dentes que obrigatoriamente tem que deixar dinheiro em troca do dente de leite das crianças colocado embaixo do travesseiro, quanto no Noel que é um ser supremo da indústria de brinquedos e anualmente é obrigado deixar para as crianças presentes em suas árvores de natal e o mesmo para o coelho que tem como propina os ovos coloridos escondidos no jardim durante a páscoa.
O filme é uma tentativa muito bem sucedida em reviver personagens clássicos nos cinemas, algo que em animação existia uma carência. Possui um pequeno problema de ritmo, mas nada que atrapalhe o desenvolvimento dos personagens. Em um ano mediano nas animações, onde sequências reinaram como “A Era do Gelo 4” e “Madagascar 3” não trouxeram novidades, e Valente que seria a grande promessa também decepcionou deixando a Pixar no status Disney de contos de fada, não é difícil “A Origem dos Guardiões” se destacar no quesito originalidade. Temos uma nova franquia de filmes natalinos surgindo, e esse certamente é apenas o primeiro episódio, em breve a Alameda dos Anjos será atacada novamente.