Ah Disney… Lembro-me como adorava esperar julho para poder assistir a um longa animado dessa empresa que sempre foi referência no ramo da animação. Uma empresa que presenteou o mundo nos anos 90 com “O Rei Leão”, “A Bela e a Fera”, “Aladdin”, “O Corcunda de Notre Dame” e que caiu tanto a qualidade de seus filmes nos pós 2000, com suas raras exceções, deixando uma geração tão carente de bons filmes e empolgação.  Porém, quando a luz está se apagando, que surge novas ideias e modos diferentes de se contar uma história, como foi o caso de “Enrolados” em 2011, ou então “A Princesa e o Sapo” em 2010. Quando não esperávamos mais nada, mesmo após a enterrada de dedo que a empresa visivelmente pôs em “Valente” da Pixar, que chega a nossos ouvidos que a Disney iria produzir uma animação que contaria a história de um vilão de um  game de 8 bits cansado de não ser amado pelas pessoas. A principio pensei: “ok” o fato de usar a premissa de games em um filme é interessante, porém um vilão protagonista deixou de ser novidade nas animações há algum tempo. “Megamente” e “Meu Malvado Favorito” já estavam por aí nas mãos da concorrente fazendo sucesso. Contudo, eis que somos surpreendidos novamente. “Detona Ralph” não apenas se trataria de um game de 8 bits, mas também seria uma enorme homenagem aos games clássicos dos anos 80 e 90 como Sonic, Mário, Street Fighter, Pac Man, Mortal Kombat,  entre muitos outros que fizeram a expectativa desse filme subir absurdamente. Não teríamos mais uma história de apenas um vilão arrependido, mas de um vilão que seria guiado por aqueles personagens que já eram de conhecimento do público geral, trazendo um ar nostálgico da infância. E hoje, após assistir o tão aguardado e promissor “Detona Ralph” você me pergunta: “O filme de fato consegue fazer isso?”.  Consegue. Somente por vinte minutos.

Rich Moore, conhecido por dirigir alguns animados como Simpsons e Futurama, assume a direção. John C. Reilly, Sarah Silverman, Jack McBrayer, Jane Lynch, Adam Carolla emprestam suas vozes para os personagens. Na dublagem nacional temos Tiago Abravanel, Rafael Cortez e Marimoon, que conseguem fazer um trabalho de dublagem infinitamente melhor que Luciano Hulk em “Enrolados”.

Como já era de se esperar, o filme consegue ser criativo e mostra nos cinemas uma série de personagens de games que gerou na plateia uma reação extremamente positiva. Eles de fato funcionaram dentro da ambientação que o filme propôs a explorar, porém as melhores e principais cenas do filme ficaram já expostas nos trailers, vídeos promocionais e imagens de divulgação do animado deixando a expectativa de quem esperava mais aparições dos personagens em tela não serem correspondidas. Contudo, o filme não deixa de ser bom com o seu desenvolvimento e conclusão, pois possui um roteiro muito bem amarrado que não deixa brechas soltas para uma possível continuação. Não que isso não possa acontecer, afinal o universo de games é bastante extenso e possibilidades para sequências é o que mais temos nesse plot.

Ralph já é apresentado como uma personagem que trabalha dentro de um jogo de arcade às vésperas de completar 30 anos de trabalho. Exausto de sua tarefa e exclusão social, tema principal dentro desse arco da história, ele resolve buscar ajuda em um grupo de vilões que visam aceitação em suas carreiras profissionais. O longa trabalha muito bem a argumentação de “mau dentro dos games é apenas uma representação e não a realidade”. Não obtendo sucesso com a resposta do grupo, ele resolve tomar iniciativa e socializar mais com os outros membros do game no qual faz parte, porém tudo que ele consegue é preconceito e rejeição, fazendo-o decidir fugir do game e buscar um mérito no qual lhe traga respeito e admiração.

Esse é o começo da história, que explora muito bem Ralph e sua realidade. Trás soluções visuais inteligentes para a história, como o fato de usar a extensão de tomadas como uma central de trens que partem para as máquinas do fliperama. A partir desse momento o filme começa cair no quesito de originalidade, e trás alguns clichês já habituais do universo Disney. A história deixa de ser do Ralph e passa focar numa outra personagem. Entretanto, esse fato não faz com que o filme perca qualidade, apenas ignora o espectador que foi atrás de mais elementos que fizessem relações com o universo dos games. O filme poderia facilmente ser rotulado como um título da Pixar, pois consegue extrair com seus personagens cenas com um teor emocional desacerbado.

É impossível ignorar que a relação que Ralph mantém com a personagem Vanellope é exatamente a mesma que Sulley e Boo possuem em “Monstros S.A.”, ou até perceber que o design da garota não lembre uma das filhas do filme “Meu Malvado Favorito”. Apesar disso, todo o novo arco construído dentro do filme, que envolve uma corrida, é bem desenvolvido, porém é um filme a parte daquilo que “Detona Ralph” vendeu em sua divulgação. O uso de termos relacionados ao mundo dos games é a única referência que temos durante muito tempo dentro da história para nos lembrar que o lugar onde os personagens estão é dentro de uma máquina de arcade e não em um conto de fadas.

O contraponto visual entre os ambientes do filme mostram exatamente o posicionamento de cada personagem na trama. Temos basicamente 4 cenários bem distintos que se fundem. O Game de 8 bits possui um visual noturno, com poucas cores e personagens representados com limitações de movimentos. O game de ação no qual apresenta a personagem Calhoun é sombrio e possui um design parecido com traços de animes com maiores detalhamentos. O terceiro ambiente, que é explorado muito pouco, representa um fliperama aparentemente pequeno, que sobreviveu ao tempo. Impossível não notar as artes nos arcades e um visual com tonalidades mais puxadas para o marrom, mostrando que aquele espaço está ali há muito tempo. Existe uma ótima cena na qual mostra os anos passando rapidamente que faz o público viajar 30 anos em apenas alguns segundos. O quarto e último ambiente, responsável por grande parte do filme, representa um jogo de corrida onde tudo é muito colorido, feito por doces e tons claros, deixando a tela mais infantilizada, principalmente pela escolha do design das personagens.

O filme acaba ignorando o fato de que a tecnologia evoluiu tanto que hoje os games de 8 bits são jogados em smartphones, porém só por aqueles que viveram a época. Para uma criança eles podem parecer antiquados e monótonos. A popularização de tecnologias em games domésticos responsáveis pelo desaparecimento de muitas lojas de fliperama também não é retratada dentro do filme que opta mostrar mais um ambiente nostálgico que ainda vive e que de fato atrairá muitas pessoas com seus vinte e poucos anos/trinta para os cinemas. Também não deixa de lado piadas no qual retrata que hoje retro é moderno e gags visuais que se tornaram popularizadas pelo Youtube.

Se você nasceu fazendo seus combos nos consoles e espera um filme que retrate 100% esse mundo pode se decepcionar um pouco a partir do segundo ato do filme, que se torna infantil, e claro, se tratando de Disney, não iria deixar de colocar uma princesa no meio da história (não crie ilusões, não é a princesa do Mário). Contudo, o filme não deixa de ser criativo e atraente para um público acostumado ao velho estilo Disney de ser. É um bom filme que abrirá as portas do cinema em 2013, e esperamos que a qualidade dos filmes mantenha-se alta.

PS.: Se você ficar aguardando o “Mário que sempre se atrasa” depois dos créditos do filme, desencana, deixaram de fazer uma ótima piada no final…

Clique aqui e leia também nossa segunda crítica do filme.

Author: RS

Diretor de Arte em publicidade, crítico de cinema e um dos fundadores do site Plugou. Entusiasta em adaptações de quadrinhos para cinema, Beatles e de séries de TV.