Apontar verossimilhança no cinema pode ser um exercício de aporrinhação sem limites, tamanha a facilidade de um espectador ou crítico – distinção capciosa – ir além da lógica interna e ignorar questões estéticas. Argumentar que John Dillinger provavelmente seria reconhecido em diversas cenas de Inimigos Públicos seria descartar o simbolismo que Michael Mann ressalta com essa ruptura da lógica. Fosse Prometheus um filme menos falho, é possível que esse tipo de inverossimilhança também tivesse um lastro sagaz.

Na trama, os arqueólogos Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Charlie Holloway (Logan Marshall-Green) descobrem um mapa estelar escondido nas pinturas rupestres de várias civilizações. Anos depois, o androide David (Michael Fassbender) desperta a equipe da nave Prometheus, formada por Shaw e Holloway, pelo piloto Janek (Idris Elba) e por especialistas em várias áreas. Meredith Vickers (Charlize Theron) cuida da missão, que consiste em pousar na lua LV-223 e confirmar a existência de alienígenas apelidados de “Engenheiros” – que supostamente criaram a raça humana. O contato, porém, resultará em mistérios e perigos imprevisíveis.

Ao estabelecer uma expedição interplanetária com grandes chances de interação com formas de vida extraterrestres, o roteiro de Jon Spaihts e Damon Lindelof determina que deve haver algum rigor científico e protocolos, mesmo que intuitivos, de segurança. Mesmo assim, minutos depois de adentrar uma pirâmide construída por seres desconhecidos, Holloway decide tirar seu capacete. O resto da equipe, já ciente de que o ar do lugar é respirável, repete a temeridade e se expõe àquela atmosfera.

Esse tipo de comportamento se repete bastante enquanto o filme não dá início a suas tensões (a insana experiência com a cabeça sendo a mais grosseira), e sequer servem para construir o suspense, que surge sempre ao longo de outros caminhos. Vickers tem uma postura obscura e não freia os cientistas, mas a impetuosidade destes não se fundamenta em algum grande deslumbramento perante as descobertas, nem tampouco em qualquer traço psicológico dessas personagens – todas, com a exceção de Shaw, rascunhos apressados de pouca valia para a trama. Parece haver um subtexto abordando a curiosidade humana como uma tendência natural que pode ser positiva ou negativa, mas o absurdo inverossímil se sobressai.

Quando as situações se tornam mais dramáticas, o diretor Ridley Scott mostra sua proposta para o suspense: arroubos no lugar de construção, violência bruta contra o espectador ao invés de uma lenta e crescente angústia. É verdade que, por vezes, a escolha funciona graças à pura intensidade das cenas (única característica que distingue cenas de maior e menor impacto, já que o ritmo é indiscriminadamente veloz), mas esse tipo de tensão construída no instante da reviravolta morre rapidamente e frustra o caos que deveria dominar a expedição.

Isto leva à que deveria ser uma das cenas mais angustiantes do cinema recente, por uma série de motivos. Igualmente (ou até mais pronunciadamente, já que ocorre após duas elipses) construída no ato de uma descoberta, a sequência protagonizada por Shaw na sala de Vickers sofre com a que seja talvez a mais profunda falha do filme: a edição de Pietro Scalia. A cena é montada paralelamente a outro conflito, de natureza muito distinta. O desserviço a esse momento tão aflitivo não poderia ser mais óbvio.

Mesmo que essas questões estruturais sejam periclitantes, há muito que apreciar. Se lacunas drenam a credibilidade das personagens e das situações, a falta de informações torna vários aspectos da trama mais instigantes. A natureza das criaturas e seu intrincado ciclo de vida ou o motivo do abandono das pirâmides na LV-223 são elementos que geram curiosidade e permitem conjecturas bastante sólidas, fomentando um mistério de qualidade. Mas são as maiores perguntas em aberto que realmente fascinam no filme.

Prometheus é abertamente existencialista, e cria questionamentos grandiosos que não serão e nem poderiam ser respondidos. A relação dos Engenheiros com a humanidade reflete a do Criador de várias religiões com as pessoas de fé, e o subtexto que entrelaça crença e fato científico no cerne de Elizabeth Shaw é um reflexo belíssimo da busca humana por revelações sobre a existência. Da mesma forma, a presença de um inquisidor David cria outro paralelo: caso a ciência seja capaz de criar androides tão perfeitos no futuro, que tipo de relação teremos com eles? Iremos considerá-los seres vivos ou sintéticos? (A pele dos Engenheiros, vale notar, parece sintética). Teremos sempre poder sobre eles ou dar-lhes-emos a liberdade?

O diálogo de David com Holloway embriagado permite destrinchar ainda mais questões nessa área. Quando responde à pergunta “Por que vocês me criaram?” com um brusco “Porque nós éramos capazes”, o arqueólogo salta um estágio importante da psicologia humana: o anseio. O desejo ardente que busca soluções e realizações é tão forte quanto aquele que busca respostas. O Homem, no universo do filme, não pode ter criado cópias humanas meramente porque era capaz: ele se tornou capaz porque sempre ambicionou essa capacidade “divina”.

Também positiva é a presença de um vilão, por muito tempo oculto, com um objetivo tão ancestral – e, como não podia deixar de ser, tão existencialista. Prometheus é um filme profundamente humano, tanto por seus erros basais quanto por suas mais instigantes qualidades.

Matéria de Pedro Costa De Biasi